domingo, 13 de dezembro de 2009


Eu sempre estava lá, esperando, quando ele ia chegar de viagem. Nem que mofasse horas dentro do carro. Ai de mim se não o fizesse: daria motivo pra mais uma briga... e nós sempre tínhamos uma já engatilhada. Desta vez era porque eu tinha ido ao cinema com uma amiga sem avisá-lo. Ele parecia tão certo de que eu havia planejado tudo antes dele se ausentar, que quase me convenceu de que minha ida ao cinema era um crime de lesa majestade. Foi só entrarmos na casa dele, pra começar a ladainha, minha cabeça girando... Eu fui ao cinema! Ó, céus, será que tomar um sorvete seria menos grave? Então ele finalmente se sentou; eu, obediente, me postei ereta na poltrona em frente e então as palavras que ele pronunciava foram sumindo como se eu ensurdecesse, e a perda deste sentido aflorou os outros. Fiquei observando o corpo dele, a boca tomando as formas que as palavras lhe davam, as mãos das quais meu corpo era propriedade gesticulando nervosas, passando os dedos por entre os cabelos, num gesto tão dele... o jeito peculiar de segurar o cigarro e tragar estreitando um pouco os olhos... e então eu senti o seu cheiro de homem, cru e intenso... e todo o meu corpo de fêmea se ofereceu: a boca entreaberta, as pernas bambeando, do sexo um visco escorria melecando o que estivesse no caminho. Ele foi cruel. Não leu o meu corpo. Fez que não quis. Me torturou o dia todo: quando me tomou pra ele, a noite já ia alta. Sofri... e gozei a cada instante da espera. Entre nós, o sofrimento e o gozo sempre foram indissolúveis.


Foto: Jan Scholz