domingo, 13 de dezembro de 2009


Eu sempre estava lá, esperando, quando ele ia chegar de viagem. Nem que mofasse horas dentro do carro. Ai de mim se não o fizesse: daria motivo pra mais uma briga... e nós sempre tínhamos uma já engatilhada. Desta vez era porque eu tinha ido ao cinema com uma amiga sem avisá-lo. Ele parecia tão certo de que eu havia planejado tudo antes dele se ausentar, que quase me convenceu de que minha ida ao cinema era um crime de lesa majestade. Foi só entrarmos na casa dele, pra começar a ladainha, minha cabeça girando... Eu fui ao cinema! Ó, céus, será que tomar um sorvete seria menos grave? Então ele finalmente se sentou; eu, obediente, me postei ereta na poltrona em frente e então as palavras que ele pronunciava foram sumindo como se eu ensurdecesse, e a perda deste sentido aflorou os outros. Fiquei observando o corpo dele, a boca tomando as formas que as palavras lhe davam, as mãos das quais meu corpo era propriedade gesticulando nervosas, passando os dedos por entre os cabelos, num gesto tão dele... o jeito peculiar de segurar o cigarro e tragar estreitando um pouco os olhos... e então eu senti o seu cheiro de homem, cru e intenso... e todo o meu corpo de fêmea se ofereceu: a boca entreaberta, as pernas bambeando, do sexo um visco escorria melecando o que estivesse no caminho. Ele foi cruel. Não leu o meu corpo. Fez que não quis. Me torturou o dia todo: quando me tomou pra ele, a noite já ia alta. Sofri... e gozei a cada instante da espera. Entre nós, o sofrimento e o gozo sempre foram indissolúveis.


Foto: Jan Scholz

sábado, 14 de novembro de 2009

Para aquele que se foi.

Toda vez que ele chegava em casa, ela passava o batom, mesmo depois de mais de vinte anos juntos. Eu achava uma peruagem e ria. Ela também ria, mas de felicidade, paixão e gozo. Ria quando tínhamos as pernas entrelaçadas, ria quando nossas bocas percorriam o corpo dele, ria enquanto ele reclamava de exaustão... nosso tesão a 40º de febre, nos tirando a razão. Brigávamos muito, eu e ele, por questões que não se discute: política, religião.Também quando eu dizia não; ele não sabia ouvir não. Era uma criança e nos encantava, era o nosso brinquedo. Alguns anos depois um curto e-mail dela: "Preciso falar com você". Entendi tudo, ele tinha partido. Senti uma dor não momentânea, começou como um incômodo e foi crescendo, crescendo, retesando os músculos, embaçando a visão. Chorei convulsivamente por alguns minutos. Passou. Era passado.

sábado, 1 de agosto de 2009



Acordou com a boca seca. Uma preguiça danada de levantar, mas olhou através da porta e viu a luz do banheiro acesa. “Droga”, pensou, “podia jurar que tinha apagado”. Podia jurar também que tinha tirado a maquilagem, mas agora já não tinha tanta certeza, os pés tocando o chão frio (“cadê o tapete, merda?), uma pontada do lado direito da cabeça lhe fazendo lembrar que tinha bebido além da conta outra vez. Andou cambaleante pro banheiro pensando no Carlos Alberto, o idiota que a irmã tentou empurrar pra cima dela no Baile de Formatura do sobrinho. Quase deu de cara no batente da porta, mas pelo menos descobriu onde estava o tapete. Carlos Alberto... só podia ser idiota, com esse nome de galã decadente no decadente Baile de Formatura. “Por que o mundo gira tanto, Meu Deus? Que saco!” Esticou a mão pra pegar o papel higiênico e descobriu que não tinha. Arrancou a calcinha e foi embora pra cozinha. Sentiu o resto de urina que escorria pelas pernas e lembrou Dele, que nunca deixava que ela se limpasse depois de mijar... gostava de vê-la andar, um filete do líquido ainda quente escorrendo pela perna. Olhou pro sofá e quase pode vê-lo ali, sentado na penumbra, olhando pra ela como fazia toda vez que ela saía do banheiro. Teve vontade de chorar e se odiou, odiou o vinho barato que fazia a cabeça doer, odiou a irmã, o sobrinho, o Carlos Alberto e a louça na pia. Abriu a geladeira: só uma garrafa vazia. Girou a torneira e enfiou a cara debaixo dela com tanta impaciência que se engasgou; tossia compulsivamente, os olhos cheios d’água... quando se acalmou, deitou a cabeça sobre os pratos, os cabelos em meio aos restos de comida. Sentiu as mãos dele pressionando sua cabeça pra baixo, a água no ouvido e a sua voz baixa e firme: “agora você vai se lembrar de lavar a louça, vadia”... Começou a chorar descontroladamente, o rímel escorrendo num pedaço boiante de batatinha souté. “Por quê? Por quê?” Deu um soco a esmo e viu o sangue brotar na mão... deixou pingar sobre a batatinha com rímel, fazendo um desenho; começou a rir, depois a gargalhar... chorava e ria... Enfiou a mão na água corrente e sentiu arder... queria que doesse, que machucasse mais do que a falta dele. Queria que ele morresse: olharia para aquela cara de cera no velório e desataria a rir... se imaginava pegando uma cadeira pra trepar no caixão, levantando o vestido de bolinha da avó dele que o pervertido fazia ela usar. Marcava numa estação de metrô sempre bem longe da casa dela; tinha que ir de chapéu, luvas, meias 7/8 e uns sapatos menores que os pés... e nunca podia se sentar nem usar a escada rolante. Era sempre em horário de pico, normalmente num calor escaldante, os pés inchando naqueles sapatos horrorosos. Um dia entrou mancando no trem e depois apanhou tanto que perdeu a conta das chicotadas. Iria com o vestido ao velório dele, treparia no caixão e mijaria naquele corpo inerte, naquele pinto inútil, naquela cara cheia de algodão. “Que merda!”, choramingou.
Entrou no chuveiro. Fazia calor, mas girou a chave pra temperatura mais quente e ficou sentindo a carne arder e se avermelhar. Via a medalha de São Judas esfregar entre os seus seios quando ele ficava sobre ela, metendo com força enquanto ela mal sentia as pernas, totalmente abertas e presas nas correntes; às vezes ele a prendia de manhã e só a possuía de tarde. Sumia pela porta e voltava pra fazer suas “experiências”. Às vezes colocava um objeto dentro dela, deixava lá um tempo; numa ocasião depilou-a até o ânus e depois jogou calda de chocolate quente; vendada, sentiu que algo caminhava sobre ela e urinou só pela possibilidade de ser uma aranha... mas o pior era quando sumia e a deixava sozinha por horas sem uma palavra, um som, nada. Se ao menos conseguisse dormir... Por que agora, que queria estar totalmente bêbada, se sentia absolutamente sóbria? Enroscou a faixa do roupão na mão pra estancar o sangue, abiu uma garrafa de gim e foi pra varanda. Ventava um pouco... sentiu frio. Tantas vezes ele meteu nela ali, de pé. Sabia que ela morria de medo de altura, então tinha o cuidado de amordaçá-la antes de debruçá-la na grade, com os braços pendentes, pra meter no seu cu. Alternava estocadas fortes com lambidas suaves nas suas costas... ela sentia tanto medo que gozava alucinadamente. Ficou bebendo ali, nua, tremendo um pouco... o álcool queimando a garganta... Estava amanhecendo. Jogou o resto de bebida sobre os seios e deitou-se na espreguiçadeira, abriu bem as pernas e forçou a garrafa pra dentro... não o gargalo, mas o bojo. Doía tanto, não a garrafa lhe dilacerando, mas a saudade... que ela enfiava ainda com mais força, as lágrimas brotando novamente nos olhos... sentiu uma ânsia de vômito, virou o rosto e viu o jornal jogado ao seu lado, a manchete que havia lido pela manhã, agora com as letras embaralhadas pelas lágrimas dela... “O Bispo...” “... é nomeado Cardeal...” Socou a garrafa com mais força e apagou.


Quebrei o silêncio. Falei umas verdades. Dizem que todo mundo tem um limite, mas a sensação que eu tinha era que o meu só seria atingido quando chovesse no Maracanã a conta-gotas. Choveu. Eu gostava quando os outros falavam, falavam, falavam e eu ia tecendo psicologias baratas na minha cabeça, uma profusão de “achisses” sobre as histórias que iam desfilando repletas de detalhes e confissões e me faziam a pessoa mais contente do mundo. Porque eu sempre tive – e tenho – uma curiosidade enorme sobre o ser humano: o que ele pensa, faz, pensa que faz, queria fazer e não faz e faz sem pensar. Há tantas verdades! E eu aceito todas, porque não são minhas... eu não sou dona de nada! Ia tudo tão bem, mas eu falei. Eu gostava do silêncio. Mas estou me sentindo muito bem agora.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ela era a novidade
a falta de rima
a ausência do pudor.
O que eu tão bem tinha escondido
debaixo dos lençóis e dos vestidos.
Quando ela entrou... tudo foi pro espaço:
as boas maneiras, os sapatos envernizados,
minhas calcinhas de algodão,
Agora era só uísque no gargalo
e o cheiro dela na minha mão.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Só quando ele se foi é que me dei conta do que ele deixou. Senti um arrepio na espinha e um movimento interno que era como um vento desarrumando tudo dentro de mim. Junto dele eu tinha ficado metade, morrendo de medo que a hora passasse depressa, louca pra olhar no olho dele o tempo todo, pra não esquecer de nada depois. Como se eu tivesse essa escolha... como se um dia eu tivesse feito alguma escolha depois dele. A sensação era tão forte, que dava vertigem e uma vontade louca de correr nua pra rua. De pedir asilo a qualquer um: me beija, beija a minha boca, não me deixa morrer desse jeito!...


Foto: Jarek Kubicki
eu amo os sonhos: neles tudo é possível
as pessoas podem ter 3 olhos, 8 tentáculos
e serem absolutamente normais
às vezes eu sonho que o mundo
é uma espécie de fantasia
onde anões e fadas, bruxas, ogros e duendes
convivem com homens-morcego e vampiros sensuais
às vezes é um filme mezzo Lynch, mezzo Fellini
às vezes é um vôo ao som de Pizzolla
nada dessa vidinha burguesa-cotidiana-medíocre
cada dia é uma loucura a ser desbravada
quando eu tenho sonhos assim
eu nunca quero acordar...

domingo, 17 de maio de 2009

- Desde a primeira vez que a gente se falou você mexeu comigo. E sempre vai mexer. Eu posso estar casado, de aliança no dedo, que se você ligar pra mim... eu vou ficar de pau duro pra você.

Vou descolar o telefone do filho da puta. Quero ouvir ele gozar pra mim na frente da mulherzinha dele.

sábado, 16 de maio de 2009

Ele vinha ao atendimento quase todos os dias. Coisas de pessoa jurídica. Sempre uma pastinha debaixo do braço e um sorriso encantador. Pelo canto do olho eu sabia quando ele chegava. Pegava a senha e ficava me encarando enquanto eu fingia não perceber. Às vezes, no sorteio, caía no meu guichê. Brilhava todos aqueles dentes num simples "oi". Um dia nos cruzamos no ônibus. Fingi que não o vi. Não quis estragar aquele prazer cotidiano de nunca ter a intimidade que eu morria de vontade de ter com ele. Ah, se aquele menino soubesse de todas as coisas que eu pensei enquanto olhava para aquela boca... ah... se ele soubesse!


Foto: Jenni Tapanila

(com a permissão por escrito da autora)

Há coisas sobre mim que você não sabe e nunca vai saber. Não pense que é porque estou nua na sua frente, que você me desvendou. Que é por causa da vodka barata que misturei as letras e revelarei meus sonhos. Non, mon cher. Há coisas que não estão nos livros, nem mesmo nas entrelinhas. E há coisas que não duram... como eu e você.
No dia seguinte à primeira vez em que ficamos juntas, fomos à padaria onde ela ia todos os dias. Ela me disse que parecia que estava escrito em nossas testas o que tinha acontecido: que o balconista nos olhava com malícia enquanto pegava os pãezinhos; que até a velhinha conversando com a garota do poodle falava sobre nós. Disse isso não com vergonha, mas com um certo orgulho. Seus olhos brilhavam. A única coisa que eu sabia era que eu me sentia tão livre, tão fresca, como se acabasse de tomar um banho de cachoeira. Um dia, no meio da tarde, ela me disse pra deitar no braço do sofá. Não pediu, ordenou com o olhar cheio de desejo. Obedeci. Me abriu toda com a língua. Nunca me senti tão fêmea.

Foto: Amanda Com
meu corpo é arte
um vasto silêncio
é minha jornada
alma adentro

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Foram uns dois meses de telefonemas antes da gente se ver. No início eu não dava muita bola, falava com tanta gente que eu conhecia na Internet... era uma brincadeira, tinha curiosidade de saber sobre as pessoas, de ouvir vozes diferentes, compartilhar fetiches. Mas ele foi insistente, ligava quase toda madrugada, dizia aquelas bobagens que mulher adora ouvir... e com aquela voz... ahhhhhhhhh... "aquela" voz. Gravei nossos diálogos várias vezes e ficava ouvindo, ouvindo, ouvindo... até que, finalmente, tudo terminou. Foram cinco anos de telefonemas e um único encontro, explosivo. O corpo dele sobre o meu, a N. Sra. Aparecida chacoalhando na medalhinha e as tatuagens que eu refiz com os dedos pra não esquecer. Uma vez, depois de muito tempo, ele falou desse dia com todos os detalhes, até mesmo os que eu tinha esquecido. Numa tarde de dezembro, sem despedida, ele se foi. Restaram as gravações e uma fitinha do Senhor do Bonfim que ele mandou pelo correio. Confesso que demorou um bocado pra aprender a viver sem aquela voz.


domingo, 10 de maio de 2009

Quebrando a Caixa de Pandora

Uma vez uma amiga, psicóloga e bruxa, disse que eu tinha pelo menos umas 12 personalidades. Ri. Mas o que sei é que valentina sempre foi meu alter ego. As junções de letrinhas, criadas por mim, que coloco aqui, são colagens de várias passagens da minha vida, relembradas entre cores, música, cheiros, sabores e sensações de todo tipo. As imagens são parte de meu caso de amor com a fotografia em P&B. A maioria destas impressões eu posto em Erotismo na Cidade, onde me sinto em casa.
Longe de mim infringir qualquer direito de copyright. Sempre que possível coloco um link para o site do artista ou para a página de onde tirei a foto. Adoraria que as imagens pudessem permanecer aqui, porque elas servem de inspiração para que eu conte um pouco da minha história. Acredito que a alma da arte é o compartilhamento universal. Porém, se os detentores de direitos sobre as obras sentirem-se prejudicados ou ofendidos de alguma forma, por favor, entrem em contato. Comentários são bem vindos, mas, por favor, não sejam muito cruéis. Eu posso gostar! *gargalhadas*