quinta-feira, 30 de agosto de 2012


Sinto falta. Quanto mais te nego. Tua mão na minha cara, teus dedos no meu rabo, minha língua correndo ensandecida pelo teu pau, meus cabelos riscando teu peito, os teus dentes tatuando sem dó a minha carne. Tua. No vazio da noite. Tua. No mofo da repartição. Tua. No singelo almoço familiar. Tua. Tua, tua, tua.  E você nem liga.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011


Amanhã tomarei uma dose em tua homenagem em frente ao mar... no mesmo local onde você me ensinou tudo o que eu não aprendi sobre navegação. Em frente ao mar que eu sempre pedia pra ver quando estava contigo. Onde você se entusiasmava a cada palavra... e eu me perdia entre o cheiro de maresia e o espumar das ondas. Eu vou quebrar tua abstinência babaca e mandar servir um duplo pra ti. E eu vou rir da tua idiotice por não me ouvir. Por ter acelerado o teu curso. E eu vou te odiar por isto também. E quando meus olhos estiverem tão embaçados que eu não dintinga mais o céu do mar, verei você passar à bordo de um rebocador, teus cabelos que eu amo cingidos pelo vento. E você vai olhar para mim e sorrir. E eu vou sorrir e chorar e gritar e gargalhar e acenar e pular e te mandar beijos até você desaparecer. E eu voltarei ali muitas vezes: por mim; não por você. Para respirar fundo e sentir a maresia e o vento e ouvir as ondas quebrando nas pedras como eu sempre quis. Para me lembrar que ali é o meu lugar. E que eu quero viver. Viver muito.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010


Estou no meio fio... na beira do abismo... no alto da torre... haverá saída? De onde vem o som das trombetas? O que me move? Sou o grito de Munch; a loira do banheiro; os olhos de Laura Mars; a louca meio adormecida que transita pela Paulista às 3 da madrugada. Quem sou eu? Sou aquela que perde a razão e invade o teu sono... a torre da Gazeta iluminada e bélica; o veneno que eu procuro na veia saltada; Morpheu... o delírio de Lynch. Eu não sou nada.


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Eu gosto dele.
Do que diz, do que escreve.
Tem sempre um tom desdenhoso, é pernóstico e cínico.
Ele não é adorável.
E quem quer ser adorável, afinal?
A verdade é que a vida tem uma dívida para com ele.
Uma dívida que ele não cobra.
Ele é triste.
E a tristeza é uma bunda gorda que ele chutaria todas as manhãs.
Se pudesse.
Não acredito que um homem verdadeiramente feliz possa produzir grande coisa.
Só os atormentados, os inconformados e os tristes é que se torturam com milhões de perguntas nas quais o mais importante nem são as respostas.
É a angústia.
A angústia fere e sangra.
Eu gosto dele.
Ele sangra arte.
Uma arte que alimenta meu vício irracional de vida inteligente.
De gente.
Eu realmente gosto dele.

Foto: Jenn

domingo, 13 de dezembro de 2009


Eu sempre estava lá, esperando, quando ele ia chegar de viagem. Nem que mofasse horas dentro do carro. Ai de mim se não o fizesse: daria motivo pra mais uma briga... e nós sempre tínhamos uma já engatilhada. Desta vez era porque eu tinha ido ao cinema com uma amiga sem avisá-lo. Ele parecia tão certo de que eu havia planejado tudo antes dele se ausentar, que quase me convenceu de que minha ida ao cinema era um crime de lesa majestade. Foi só entrarmos na casa dele, pra começar a ladainha, minha cabeça girando... Eu fui ao cinema! Ó, céus, será que tomar um sorvete seria menos grave? Então ele finalmente se sentou; eu, obediente, me postei ereta na poltrona em frente e então as palavras que ele pronunciava foram sumindo como se eu ensurdecesse, e a perda deste sentido aflorou os outros. Fiquei observando o corpo dele, a boca tomando as formas que as palavras lhe davam, as mãos das quais meu corpo era propriedade gesticulando nervosas, passando os dedos por entre os cabelos, num gesto tão dele... o jeito peculiar de segurar o cigarro e tragar estreitando um pouco os olhos... e então eu senti o seu cheiro de homem, cru e intenso... e todo o meu corpo de fêmea se ofereceu: a boca entreaberta, as pernas bambeando, do sexo um visco escorria melecando o que estivesse no caminho. Ele foi cruel. Não leu o meu corpo. Fez que não quis. Me torturou o dia todo: quando me tomou pra ele, a noite já ia alta. Sofri... e gozei a cada instante da espera. Entre nós, o sofrimento e o gozo sempre foram indissolúveis.


Foto: Jan Scholz

sábado, 14 de novembro de 2009

Para aquele que se foi.

Toda vez que ele chegava em casa, ela passava o batom, mesmo depois de mais de vinte anos juntos. Eu achava uma peruagem e ria. Ela também ria, mas de felicidade, paixão e gozo. Ria quando tínhamos as pernas entrelaçadas, ria quando nossas bocas percorriam o corpo dele, ria enquanto ele reclamava de exaustão... nosso tesão a 40º de febre, nos tirando a razão. Brigávamos muito, eu e ele, por questões que não se discute: política, religião.Também quando eu dizia não; ele não sabia ouvir não. Era uma criança e nos encantava, era o nosso brinquedo. Alguns anos depois um curto e-mail dela: "Preciso falar com você". Entendi tudo, ele tinha partido. Senti uma dor não momentânea, começou como um incômodo e foi crescendo, crescendo, retesando os músculos, embaçando a visão. Chorei convulsivamente por alguns minutos. Passou. Era passado.

sábado, 1 de agosto de 2009



Acordou com a boca seca. Uma preguiça danada de levantar, mas olhou através da porta e viu a luz do banheiro acesa. “Droga”, pensou, “podia jurar que tinha apagado”. Podia jurar também que tinha tirado a maquilagem, mas agora já não tinha tanta certeza, os pés tocando o chão frio (“cadê o tapete, merda?), uma pontada do lado direito da cabeça lhe fazendo lembrar que tinha bebido além da conta outra vez. Andou cambaleante pro banheiro pensando no Carlos Alberto, o idiota que a irmã tentou empurrar pra cima dela no Baile de Formatura do sobrinho. Quase deu de cara no batente da porta, mas pelo menos descobriu onde estava o tapete. Carlos Alberto... só podia ser idiota, com esse nome de galã decadente no decadente Baile de Formatura. “Por que o mundo gira tanto, Meu Deus? Que saco!” Esticou a mão pra pegar o papel higiênico e descobriu que não tinha. Arrancou a calcinha e foi embora pra cozinha. Sentiu o resto de urina que escorria pelas pernas e lembrou Dele, que nunca deixava que ela se limpasse depois de mijar... gostava de vê-la andar, um filete do líquido ainda quente escorrendo pela perna. Olhou pro sofá e quase pode vê-lo ali, sentado na penumbra, olhando pra ela como fazia toda vez que ela saía do banheiro. Teve vontade de chorar e se odiou, odiou o vinho barato que fazia a cabeça doer, odiou a irmã, o sobrinho, o Carlos Alberto e a louça na pia. Abriu a geladeira: só uma garrafa vazia. Girou a torneira e enfiou a cara debaixo dela com tanta impaciência que se engasgou; tossia compulsivamente, os olhos cheios d’água... quando se acalmou, deitou a cabeça sobre os pratos, os cabelos em meio aos restos de comida. Sentiu as mãos dele pressionando sua cabeça pra baixo, a água no ouvido e a sua voz baixa e firme: “agora você vai se lembrar de lavar a louça, vadia”... Começou a chorar descontroladamente, o rímel escorrendo num pedaço boiante de batatinha souté. “Por quê? Por quê?” Deu um soco a esmo e viu o sangue brotar na mão... deixou pingar sobre a batatinha com rímel, fazendo um desenho; começou a rir, depois a gargalhar... chorava e ria... Enfiou a mão na água corrente e sentiu arder... queria que doesse, que machucasse mais do que a falta dele. Queria que ele morresse: olharia para aquela cara de cera no velório e desataria a rir... se imaginava pegando uma cadeira pra trepar no caixão, levantando o vestido de bolinha da avó dele que o pervertido fazia ela usar. Marcava numa estação de metrô sempre bem longe da casa dela; tinha que ir de chapéu, luvas, meias 7/8 e uns sapatos menores que os pés... e nunca podia se sentar nem usar a escada rolante. Era sempre em horário de pico, normalmente num calor escaldante, os pés inchando naqueles sapatos horrorosos. Um dia entrou mancando no trem e depois apanhou tanto que perdeu a conta das chicotadas. Iria com o vestido ao velório dele, treparia no caixão e mijaria naquele corpo inerte, naquele pinto inútil, naquela cara cheia de algodão. “Que merda!”, choramingou.
Entrou no chuveiro. Fazia calor, mas girou a chave pra temperatura mais quente e ficou sentindo a carne arder e se avermelhar. Via a medalha de São Judas esfregar entre os seus seios quando ele ficava sobre ela, metendo com força enquanto ela mal sentia as pernas, totalmente abertas e presas nas correntes; às vezes ele a prendia de manhã e só a possuía de tarde. Sumia pela porta e voltava pra fazer suas “experiências”. Às vezes colocava um objeto dentro dela, deixava lá um tempo; numa ocasião depilou-a até o ânus e depois jogou calda de chocolate quente; vendada, sentiu que algo caminhava sobre ela e urinou só pela possibilidade de ser uma aranha... mas o pior era quando sumia e a deixava sozinha por horas sem uma palavra, um som, nada. Se ao menos conseguisse dormir... Por que agora, que queria estar totalmente bêbada, se sentia absolutamente sóbria? Enroscou a faixa do roupão na mão pra estancar o sangue, abiu uma garrafa de gim e foi pra varanda. Ventava um pouco... sentiu frio. Tantas vezes ele meteu nela ali, de pé. Sabia que ela morria de medo de altura, então tinha o cuidado de amordaçá-la antes de debruçá-la na grade, com os braços pendentes, pra meter no seu cu. Alternava estocadas fortes com lambidas suaves nas suas costas... ela sentia tanto medo que gozava alucinadamente. Ficou bebendo ali, nua, tremendo um pouco... o álcool queimando a garganta... Estava amanhecendo. Jogou o resto de bebida sobre os seios e deitou-se na espreguiçadeira, abriu bem as pernas e forçou a garrafa pra dentro... não o gargalo, mas o bojo. Doía tanto, não a garrafa lhe dilacerando, mas a saudade... que ela enfiava ainda com mais força, as lágrimas brotando novamente nos olhos... sentiu uma ânsia de vômito, virou o rosto e viu o jornal jogado ao seu lado, a manchete que havia lido pela manhã, agora com as letras embaralhadas pelas lágrimas dela... “O Bispo...” “... é nomeado Cardeal...” Socou a garrafa com mais força e apagou.